A filosofia pré-socrática representa o período inaugural do pensamento ocidental, situado entre os séculos VI e V a.C., quando os primeiros filósofos gregos começaram a questionar as explicações mitológicas tradicionais e buscaram compreender o universo através da razão e da observação da natureza. Esses pensadores, muitos deles originários das colônias gregas da Jônia e da Magna Grécia, não apenas inauguraram uma nova forma de conhecimento, mas também estabeleceram os fundamentos da metafísica, da cosmologia e da ciência natural. Suas investigações giravam em torno de questões fundamentais, como a origem (arché) de todas as coisas, a natureza do ser e do devir, e a ordem subjacente ao cosmos. Embora seus escritos tenham sobrevivido apenas em fragmentos e testemunhos posteriores, sua influência foi decisiva para o desenvolvimento da filosofia grega clássica e, por extensão, de toda a tradição intelectual ocidental.
Os primeiros filósofos pré-socráticos, conhecidos como os “físicos” (do grego physis, natureza), concentraram-se na busca pelo princípio primordial que daria origem a toda a realidade. Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo ocidental, propôs que a água era a substância originária de todas as coisas, uma ideia que, embora ingênua à primeira vista, representava uma ruptura radical com as narrativas mitológicas, substituindo deuses e forças sobrenaturais por um elemento natural. Anaximandro, seu discípulo, avançou ainda mais ao postular que o princípio de tudo não poderia ser algo determinado como a água ou o fogo, mas sim o ápeiron (o ilimitado, o indeterminado), uma realidade infinita e eterna da qual todos os seres particulares emergem e para a qual retornam. Anaxímenes, por sua vez, sugeriu que o ar era a arché, capaz de se condensar e rarefazer para formar todas as coisas. Essas especulações, embora distintas, compartilhavam uma mesma preocupação em explicar a multiplicidade do mundo a partir de um princípio unificador, antecipando questões que seriam retomadas pela metafísica aristotélica e pela ciência moderna.
Além da escola jônica, outras correntes pré-socráticas desenvolveram abordagens distintas para o problema da realidade. Pitágoras e seus seguidores, por exemplo, atribuíam aos números e às relações matemáticas a estrutura fundamental do cosmos, defendendo que a harmonia do universo poderia ser compreendida através de proporções numéricas. Essa visão, que influenciaria profundamente Platão e a tradição matemática ocidental, representava uma mudança de perspectiva, substituindo elementos materiais por princípios abstratos como explicação última da realidade. Já Heráclito de Éfeso, conhecido por seu estilo enigmático, via o fogo não apenas como elemento material, mas como símbolo de um fluxo perpétuo no qual “tudo se move e nada permanece”. Sua famosa afirmação de que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio” sintetiza sua concepção de um mundo em constante devir, onde a contradição e a luta entre opostos são a essência da existência. Em contraste, Parmênides de Eleia argumentou, em seu poema filosófico Sobre a Natureza, que o ser é uno, imutável e eterno, e que a mudança e a multiplicidade são ilusões dos sentidos. Essa polaridade entre o fluxo heraclitiano e o imobilismo parmenídico seria um dos grandes debates da filosofia grega, ecoando em pensadores posteriores como Platão, que buscaria conciliar o mundo sensível (mútuavel) com o mundo das ideias (eterno).
Os últimos pré-socráticos, como Empédocles, Anaxágoras e os atomistas Leucipo e Demócrito, tentaram superar as aporias deixadas por seus predecessores propondo sistemas mais complexos. Empédocles postulou a existência de quatro raízes eternas (terra, água, ar e fogo), cujas combinações e separações, governadas pelo Amor e pela Discórdia, explicariam a geração e corrupção de todas as coisas. Anaxágoras, por sua vez, introduziu a noção de nous (mente ou intelecto) como força ordenadora do cosmos, um princípio imaterial que distingue a filosofia grega das explicações puramente mecânicas. Demócrito, finalmente, desenvolveu a teoria atomista, afirmando que toda a realidade é composta por átomos indivisíveis que se movem no vazio, uma antecipação surpreendente da física moderna. Esses pensadores, embora divergissem em suas conclusões, compartilhavam o projeto de encontrar explicações racionais para os fenômenos naturais, afastando-se progressivamente do pensamento mítico e aproximando-se de uma visão científica do mundo.
A filosofia pré-socrática, portanto, não foi apenas um estágio primitivo do pensamento, mas um período de extraordinária criatividade e profundidade, no qual foram lançadas as bases para a filosofia, a ciência e a teologia ocidentais. Suas questões sobre a natureza da realidade, a possibilidade do conhecimento e a ordem do cosmos continuam a ressoar na filosofia contemporânea, demonstrando que o impulso de compreender o mundo através da razão é uma das marcas mais duradouras da herança grega. Ao abandonar as narrativas mitológicas em favor da investigação racional, os pré-socráticos não apenas inauguraram a filosofia, mas também definiram o espírito crítico e questionador que caracteriza a tradição intelectual do Ocidente.